#5_ BRIGANDO COM ESPELHOS E O DILEMA DO VINHO TINTO.
Por mais tecnológicos que possamos ser, tem alguns aplicativos que simplesmente não funcionam direito, né? O espelho do meu quarto, por…
Por mais tecnológicos que possamos ser, tem alguns aplicativos que simplesmente não funcionam direito, né? O espelho do meu quarto, por exemplo, vive dando pane. A tela dele nunca parece estar calibrada corretamente e o áudio que ele emite por vezes parece ser ensurdecedor. Fora que, quando tento desliga-lo da minha mente, ele se recusa a desaparecer por completo e só para me desafiar, ousa replicar a imagem HD com detalhes ainda mais vívidos.
“Você está tão magra!”, comentam as amigas (algumas com tom de elogio, outras com um quê de incômodo). “Olha a gordura localizada marcando essa barriga!”, grita o espelho enquanto me visto. “Você está sempre maravilhosa”, repete quantas vezes forem necessárias o marido carinhoso e bem-intencionado. “Ele só diz isso por obrigação. Tem certeza que vai encarar esse cropped?” retruca o espelho com agressividade, enquanto travamos uma batalha sobre sair ou não com alguns centímetros de barriga exposta. Encerro a discussão decidindo que vou sim sair usando minha blusinha curta, exibindo orgulhosamente um pedacinho da barriga semi-sarada que é resultado dos meus 5 treinos semanais (sem os quais eu sequer cogitaria usá-la). Mas a cada vez que me sento, fico neurótica com as dobras (completamente naturais e ergonômicas, diga-se de passagem) que ficam aparentes ali.
Eu gosto de pensar que levo a vida de uma forma bem equilibrada: malho de manhã para me esbaldar sem culpa no almoço. Saio pra correr sabendo que vai rolar uma batata frita mais tarde. Tenho refeições super saudáveis de 2ª a 6ª feira para não me privar do que eu tiver vontade no final de semana. Mas até onde vai o limite do equilíbrio e em que ponto começa o exagero da cobrança com a própria aparência?
Quando estou na praia, por exemplo: não existe a menor chance de eu tomar uma cervejinha, afinal de contas, não é entrega de pizza mas sei que em 30 minutos ou menos estarei com a barriga cheia e estufada. Em eventos muito importantes, eu jamais tomo vinho tinto por mais que o adore, porque já me pré visualizo saindo nas fotos com os dentes manchados. Essas escolhas são totalmente pessoais e só dizem respeito a mim mesma. Mas será que estou escolhendo a água de coco na beira do mar porque eu realmente gosto mais do sabor dela do que da Heineken ou estou me privando desnecessariamente de um simples prazer em prol de um objetivo, digamos assim, não tão nobre?
Esses dias ouvi uma frase num podcast que me marcou muito. Ela dizia: “na sua lápide, ninguém nunca vai escrever ‘usava calça 36 e tinha a pele sem poros’”. Esses detalhes estéticos que significam tanto em nossa vida jamais farão diferença alguma para aqueles que nos admiram. Ainda assim, continuamos pautando nossa auto estima a partir de critérios muito estreitos, quando na verdade, deveríamos incluir neles muito mais variáveis: nosso caráter, inteligência, força, conquistas pessoais e profissionais — tudo isso deveria pesar muito mais em nossa felicidade do que a materialidade que enxergamos no espelho.
Agora que consegui colocar pra fora todos essas nóias (e, diga-se de passagem, inseguranças), espero que eu consiga tomar decisões mais conscientes sobre minha própria felicidade. Mas enquanto eu conseguir continuar ganhando as discussões contra meu espelho e puder ter a liberdade de escolher em quais momentos beber vinho tinto, sei que terei muito mais autonomia sobre minha própria imagem e que meus sorrisos seguirão verdadeiramente brilhantes.